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Channel: CAVALEIROS DO NORTE / BCAV. 8423!
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1 741 - A chegada a Luanda do Almirante Vermelho...

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Capa do jornal A Província de Angola de 24 de Julho de 1974 (em cima) e a Junta Governativa, com Rosa Coutinho (ao centro), ladeado pelo capitão de mar e guerra Leonel Cardoso e brigadeiro Altino de Magalhães (à esquerda), coronel Silva Cardoso e major Emílio Silva 

As notícias nem sempre chegavam ao Quitexe em tempo útil, mas, a 24 de Julho de 1974, soube-se que o almirante Rosa Coutinho chegaria ao outro dia a Luanda, para exercer o cargo de presidente da Junta Governativa de Angola. O assunto (ver imagem) era, de resto, tema de caixa alta do jornal «A Província de Angola» desse dia.
O Almirante Vermelho, como veio a ser conhecido, revelou-se ideologicamente próximo do PCP e tomou decisões controversas no seu consulado angolano. Era membro da Junta de Salvação Nacional e, em Luanda, foi aguardado por angolanos e portugueses, na sua esmagadora maioria brancos e anti-comunistas. Ainda no aeroporto, em declarações aos jornalistas, anunciou que se encontrava em Luanda para tratar da independência.
«Tenho o prazer de informar, em nome do senhor primeiro-ministro, que, em breve, a província gozará de um estatuto administrativo que lhe permitirá governar-se sem ser a partir do Terreiro do Paço ou do Restelo e, portanto, satisfazendo uma ambição que Angola há muito manifesta», disse Rosa Coutinho, que também prometeu  criar um banco em Angola que guardasse as reservas do país. Já no carro, o almirante iria justificar, aos militares que o acompanhavam, as suas promessas:
«Tinha de trazer um rebuçado para esta malta para ver se acalmam. Sei que a situação está um pouco quente e estas medidas podem constituir um tónico para a incerteza que naturalmente sentem. Sabem que vão perder privilégios, mas ganham noutros campos».
Nas proximidades do aeroporto, na estrada que liga ao centro da cidade, Rosa Coutinho lia uma frase, escrita em letras garrafais a tinta encarnada, e exibida numa enorme parede:
«Fora Coutinho! Não queremos cá comunistas!»
Minutos mais tarde, uma outra manifestação, gritando as mesmas palavras de ordem, esperava-o às portas do palácio, em Luanda. Nessa mesma manhã, o jornal «A Província de Angola» saía à rua com o título: «Vem aí o "Almirante Vermelho». 
Os tempos não iam ser os mais fáceis, como depois se soube.

1 742 - O Dia da Cavalaria e os últimos dias de Carmona...

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Parada do BC12, nos nossos últimos dias de Carmona  - com chegada de muitos 
refugiados, em Julho de 1975. Em baixo, vista aérea do quartel, com a estrada para o Songo

A 25 de Julho de 1974, com«o ambiente ligeiramente desanuviado, conseguiu-realizar-se a desejada coluna a Salazar, em terceira tentativa» e, leio no Livro da Unidade, «fez-se o seu regresso e o do pessoal que tínhamos em Luanda» no dia seguinte. A 26.
A coluna, recordemos, tinha sido impedida de sair nos dias 13 e 21 de Julho, obrigando a posição de força das NT, ante a FNLA - movimento armado do qual éramos «perigosamente alvo das queixas e ataques», que já nos tinha exigido armas e que «ressascava» dos«desaires militares em Luanda, Salazar e Malange».
A Carmona continuavam a chegar muitos refugiados da FNLA, desde o dia 14 de Julho. A 25, as NT celebraram o Dia da Cavalaria, «com a maior singeleza», rezando-se missa na capela da unidade, na presença do Brigadeiro e Chefe do EM do CTC», ao mesmo tempo que a Ordem de Serviço do dia «publicou uma simples mensagem», que transcrevemos, naq íntegra:
« Hoje e o Dia da Cavalaria.
De tradição, era uma data comemorada em todas as unidades, contudo o momento presente não permite pensar em festas.
Ao longo do tempo em que formámos a nossa unidade, sempre foi afirmado que era a "QUERER E SABER VENCER» que teríamos de traçar a nossa conduta.
Assim sucedeu, espera-se que assim continue a suceder no pouco tempo restante da nossa vivência como unidade independente da Cavalaria Portuguesa, sendo esta a lembrança e o desejo da data que hoje se comemora, com a plena convicção de que assim irá verificar-se».
Faltavam nove dias para abandonarmos Carmona!

1 743 - O louvor ao Batalhão de Cavalaria 8423

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A 25 de Julho de 1975, Dia da Cavalaria, soube-se em Carmona que for a proposta à RMA «público louvor para o BCAV. 8423», lendo-se no Livro da Unidade que tal foi «para orgulho de todos nós, pois que tal se deve aos oficiais, sargentos e praças».
O louvor foi publicado na Ordem de Serviço nº. 68, da RMA, a 26 de Agosto de 1975 e é do seguinte teor: 

Louvor

Louvo o BCav 8423 porque durante o tempo em que prestou serviço no Norte de ANGOLA, nas áreas do QUITEXE e de CARMONÁ, manifestou sempre uma grande determinação, uma constante vontade de bem cumprir, um elevado espírito de disciplina e uma noção perfeita de como uma Unidade se deve adaptar às tarefas que haja que executar de perfeita harmonia com as determinações dos seus superiores hierárquicos.
Da sua acção muito beneficiaram as populações locais de todas as etnias pois pelo justo e equilibrado tratamento das missões que o BCav 8423 cumpriu ressaltaram, além das características já referidas, a aplicação de um espírito humanitário que o guindou a posição de grande admiração e respeito pela forma como conseguiu, em atitude de perfeita isenção, proteger todos os que às suas instalações se acolheram e posteriarmente manter a mesma atitude, para, finalmente, cumprir com brilhantismo uma das que certamente foi a sua mais delicada e difícil tarefa.
Da acção de todas as suas Praças, Sargentos e Oficiais se fica a dever, tanto na área do QUITEXE como na de CARMONA, o estabelecimento de um clima de segurança efectiva pelo que é com a maior justiça que em simples louvor se leva ao conhecimento de todos a forma como o BCav cumpriu a sua missão, dentro do maior espírito de disciplina, evidenciando qualidades hoje já muito raras, constituindo assim uma Unidade que mercê da acção do Comando e seus graduados nunca conheceu a chamada crise de disciplina, cumprindo exemplarmente todas as tarefas de que foi incumbido, grande parte delas em período muito sensível do processo de descolonização de ANGOLA.

1 744 - Os dias de Luanda, nas vésperas da nossa chegada...

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Primeira e última páginas do Diário de Lisboa de 26 de Julho de 1975. Falam de Angola  

A imprensa portuguesa de Lisboa dava conta, na edição da 26 de Julho de 1975, da situação em Angola: o MPLA «proclama resistência popular», como se lê na primeira página do Diário de Lisboa. A FNLA de Holden Roberto «declarou guerra total», como se lê na última página. Em Cabinda, a FLEC anunciou «um governo revolucionário» . ainda nesta última página. No Uíge, em Carmona e agora dizemos nós, os Cavaleiros do Norte preparavam-se para a operação de saída. 
A guarnição mantinha-se expectante e emocionalmente controlada, reagindo serenamente ao mar de provocações e insultos civis, que repetidamente se ouviam nas ruas, cafés, bares e restaurantes da cidade. Até nos cinemas. E às irresponsáveis ameaça da FNLA, «senhora e dona do Uíge», depois dos incidentes dos primeiros dias de Junho, que levaram à saída do MPLA.
De Luanda, via aerograma, chegavam-me notícias do Alberto Ferreira, 1º. cabo especialista da Força Aérea, em, serviço na base aérea:«Isto está uma m..., uma m... que eles querem». E falava-ne na sua próxima partida para Lisboa, em fim de comissão.
  

1 745 - A preparação da operação de saída de Carmona

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Parada do BC12, nos últimos dias das NT em Carmona

A 28 de Julho de 1975, uma segunda-feira, elementos do QG/RMA reuniram-se em Carmona com o comando do BCAV. 8423, com o objectivo de preparar a operação de regresso a Luanda. Por outras palavras, a saída de Carmona da última guarnição portuguesa - que por lá era menos bem tratada e muito menos reconhecida, sistematicamente alvo de críticas e ofensas.
A 23, dias antes e já com o mesmo objectivo, já se realizar idêntica reunião - que se repetiu a 29 - a terça-feira seguinte.
O ambiente geral escaldava pela cidade e o facto de ser conhecida a saída das NT, mais ousou o «afiar de navalhas» da população europeia. Se bem que, e é justo tal sublinhar, houve excepções.
Os Cavaleiros do Norte desde a sua chegada a Carmona que tinham rigorosas instruções no sentido de ignorar as provocações, mas nem sempre tal acontecia.
Em Luanda, depois de várias semanas de combates, o MPLA controlava a situação e era no Uíge, sua zona natural, que a FNLA queria impor as suas regras.«Construir uma Angola nova, em ambiente de paz e fraternidade», como um ano antes (a 27 de Julho de 1974) proclamara o Presidente Spínola e a Junta Militar de Angola, parecia não passar de um projecto de intenções. A linguagem entre os movimentos era a das armas.




1 746 - O Domingos que pintava e o Gaiteiro convalescente...

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Teixeira (pintor), Sousa Cruz (alferes) e Gaiteiro (condutor), 38 anos depois do Uíge

A 29 de Julho de 1975, lá por Carmona, os comandos militares portugueses reuniam para ultimar a operação de saída para Luanda. Agora, 38 anos depois, encontraram-se três homens da «ferrugem», os do parque-auto: o (então) alferes miliciano Cruz, o 1º. cabo Teixeira e o soldado condutor Gaiteiro. Aí estão eles, fresquinhos que nem alface, na imagem que se pode ver em cima.
A coisa foi assim: andava o alferes Cruz para entregar ao Gaiteiro as garrafas de vinho e a caneca do encontro de Santo Tirso e pôs-se a caminho - na última 5ª.-feira, dia 25 de Julho. O inimitável Gaiteiro, por motivos de saúde, não tinha podido lá estar connosco e, conta o «nosso alferes» Cruz que «foi com muita satisfação que o encontrei bem disposto,  como sempre».
«Ou melhor... - acrescentou o (nosso) antigo oficial miliciano - todo gaiteiro e já com os problemas de saúde praticamente ultrapassados».
O Gaiteiro apareceu com a sua senhora e tem dois filhos casados e 4 netos, de quem está «tão orgulhoso e vaidoso», tanto, tanto, tanto... que, deles, teve de mostrar as fotografias por três vezes.Três vezes!!!!, tal e qual, não foi ó Gaiteiro?  
A surpresa do «nosso alferes» estava, porém, para aparecer: de nome Teixeira e pintor que foi da CCS.
O Teixeira mora por aqueles lados e a dupla quitexana pôs-se a caminho para ver se o encontrava em casa. E encontrou.
«Reconheço que não o reconheceria, se o encontrasse na rua, embora alguns dos traços de há 40 anos... lá estivessem. É que está com uns bons quilos a mais, embora, como me disse, já esteja a ir ao sítio...», contou Sousa Cruz, dando conta, igualmente, que «foi um gosto vê-lo ao fim de tantos anos e ver, também, que está bem e que, como todos nós, está na luta e só aguarda melhores dias». 
«O neto é um vivaço e se tivesse que ir para a tropa, como nós, iria dar um grande tropa como o avô», concluiu o «nosso alferes».
 As respectivas senhoras, a do Teixeira e a do Gaiteiro (que conhecemos), «com muita simpatia», contou Sousa Cruz que «prometeram aparecer no próximo encontro».
- CRUZ. António Albano de Araújo Sousa Cruz, alferes miliciano mecânico da CCS. Engenheiro aposentado, residente em Santo Tirso.
- TEIXEIRA. Agostinho Pinto Teixeira, 1º. cabo pintor da CCS. Aposentado, morador no Freixieiro, em Perafita (Matosinhos).
- GAITEIRO. Américo Manuel da Costa Nunes Gaiteiro, soldado condutor. Aposentado, residente em Rio Tinto. Ver AQUI notícias do seu estado de saúde.
 

1 747 - Os nossos louvados homens do parque-auto!...

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Militares do Pelotão-Auto da CCS do BCAV. 8423, Atrás, NN, Canhoto, Miguel, NN (mecânico), Gaiteiro e NN. A seguir, Picote (mãos nas ancas, a rir), Teixeira (pintor),  NN (atrás), Serra (mãos no cinto), Pereira (mecânico), 1º. sargento Aires (de óculos), alferes miliciano Cruz (de branco), Frangãos (Cuba), furriel miliciano Morais (de óculos), Joaquim Celestino (condutor), NN (condutor), NN (condutor) e Vicente. Em baixo, Domingos Teixeira (estofador), Marques (Carpinteiro), Madaleno (atirador) e Esgueira.
Quem ajuda a identificar os NN?


A 30 de Julho de 1975, o comando militar o português informou a FNLA da nossa saída de Carmona, que começaria a processar-se a 3 de Agosto seguinte - um domingo. A comunicação foi feita em reunião do Estado Maior Unificado - seguramente a última.
Numa fona, por esse tempo, andava o pelotão-auto, que tinha em mãos a operacionalidade de toda a frota militar, que iria partir para Luanda, como, depois, integrando a caravana, a missão de dar assistência aos quilómetros de viaturas que, desde Carmona, foram engrossando a coluna.
Os briosos e competentes homens do parque-auto estiveram ao nível - comandados pelo alferes miliciano Cruz, por sua vez assessorado pelo 1º. sargento Aires e pelo furriel miliciano Morais. A tal competência e disponibilidade estiveram que receberam louvor colectivo, publicado na ordem de Serviço 181, por proposta do capitão Oliveira, o comandante da CCS, citando «a equipa de mecânicos auto-rodas do pelotão de manutenção auto deste batalhão».
O seguinte:
«O decurso da comissão deu ocasião a verificar que, de um modo geral, o conjunto de mecânicos auto-rodas da CCS/C»BCAV constituiu equipa de trabalho com espírito de entreajuda e sacrifício, procurando tirar o máximo de rendimento do seu labor, ao mesmo tempo que, torneando dificuldades inerentes ao muito uso das viaturas e às faltas constantes de sobressalentes, conseguiu que das mesmas se obtivessem condições de utilização em tempo oportuno e muito aceitáveis. 
Não se pretendendo distinguir uns, esquecendo outros, aqui fica o público agradecimento do seu trabalho».
Individualmente e na mesma Ordem de Servço 181, foram louvados o 1º. cabo pintor Teixeira e os soldados condutores auto-rodas Miguel Ferreira, Joaquim Celestino da Silva e José António Gomes.

1 748 - Julho, aos 31 dias de 1975, em Carmona...

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Parada do BC12, vista do edifício do comando, em meados de 1975


A 31 de Julho de 1975, a operação Luanda começou a materializar-se em Carmona com «a chegada de viaturas de de tropas de reforço» - uma Companhia de Comandos, que se aquartelou no BC12, e uma de Paraquedistas, que ficou na base aérea do Negage.
O percurso, já se sabia, seria pelo Negage e Salazar, pelo Dondo, a mais longa - em detrimento da conhecida estrada do café. O Caxito,a  53 kms. de Luanda, estava ocupado pela FNLA, também acantonado no Ambriz, onde o presidente Holden Roberto, segundo o Diário de Lisboa da época, declarava que «o assalto contra a capital angolana deveria verificar-se nos próximos dias».
A mesma fonte referia que as forças da FNLA, calculadas em aproximadamente 8000 homens, «faziam uma pausa e reagrupamento das suas bases (em rectaguarda), para o ataque à capital», embora enfrentasse «problemas de abastecimento das suas tropas, em munições e carburante (para os blindados) e alimentos».
Iria tentar entrar «numa região quase totalmente fiel ao MPLA», onde enfrentaria não só as FAPLA «mas igualmente uma população armada que, segundo certos meios, deverá opor uma grande resistência e onde Quifangongo e Cacuaco seriam os pontos fortes».
O Diário de Lisboa de 30 de Julho de 1975 dá também conta que «as foras da FNLA parecem utilizar o método chinês, nos combates ofensivos, com provas dadas na Coreia e no Vietname e que consiste em procederem, antes, a um«amolecimento» da região, pelo emprego maciço de morteiros pesados», prevendo por isso, que «as destruições seriam importantes ao longo da estrada que vai do Caxito a Luanda» - a do café.
As FAPLA, essas e ainda segundo o Diário de Lisboa,«beneficiarão de um conhecimento perfeito do terreno, graças ao «poder popular» - populações armadas em grupos de auto-defesa, que as apoiará, e à guerra convencional poderiam opor igualmente um género de guerrilha urbana que, em geral, diz-se, sai caro em homens contra quem é aplicado».
Os observadores «estão reduzidos a simples suposições e apenas o futuro dirá se a batalha de Luanda terá efectivamente lugar e em que condições», reportava o DL. 
Luanda que, citamos o jornal, continuava com «atmosfera pesada» e que «os portugueses estão agora a abandonar ao ritmo de 3 000 pessoas por dia».
Era para essa capital que os Cavaleiros do Norte iriam fazer a sua rotação final, desde Carmona.


1 749 - Carmona, Angola, 1 de Agosto de 1975

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Fachada principal do BC12, vista do lado de Carmona (em cima) 

1 de Agosto de 1975, sexta-feira: a parada do BC12 está cheia de viaturas e tropas «comandos», vindos de Luanda, na véspera e no dia. Descubro, entre eles,  alferes Infante, meu conhecido de Lamego - onde ele um ano antes era instrutor do curso de Comandos. É gago, o Infante, e gagueja quando o reconheço: «Ééééés... tuuuuuu?».
Era eu, claro, e rapidamente trocámos impressões sobre o que se passava em Luanda, para onde partiríamos daí a dois dias! «Es-es-es-estááááá´... uma mer...mer...mer...», disse ele, já caminho do bar.
Não sabíamos então, mas sabemos agora: na véspera, tinham eclodido violentas confrontações entre o MPLA e a FNLA, em Porto Amboim, no Quanza Sul, porto de pesca a 400 quilómetros de Luanda, com armamento pesado e população em pânico - parte dela evacuada para o Lobito, no navio «Sofala». A 30, fôra em Novo Redondo - por onde eu passara em Setembro de 1974. Em Malanje, as 6 mil pessoas que se tinham refugiado nos quartéis portugueses, eram evacuadas para o sul de Angola, em comboios de 50 viaturas, escoltados pelas NT, durante 10 quilómetros. Por Luanda e Caxito, de que ontem falámos, «a situação era estacionária».
Na capital, continuava, porém, o exôdo dos civis: 4 aviões da TAP e um americano levaram mais de 2000 pessoas para Lisboa. A Luanda, chegavam milhares de cidadãos, idos das cidades e vilas do interior. Os consulados francês, italiano, belga e alemão aconselhavam os seus compatriotas a irem embora e reduziram o seu pessoal, embora continuando abertos. Saurimo, na Lunda, foi palco de graves confrontações entre o MPLA e a UNITA.
As NT, em Carmona, resistiam às provocações e exigências da FNLA e ouviam lancinantes e dramáticos apelos da população civil. Que se sentia «insegura, descrente e receosa de quaisquer represálias», como se lê no Livro da Unidade. E queriam integrar a coluna que se preparava.
A dois dias, isto, do início da retirada dos Cavaleiros do Norte, a última unidade militar portuguesa no chão angolano do Uíge. O dia 1 de Agosto era também o de aniversário de minha irmã mais velha, a Ana Maria - que daí a dias seria mãe do seu segundo filho (a Marta), meu terceiro sobrinho.
Dados recolhidos do Diário de Lisboa

1 750 - Dia de véspera do adeus a Carmona...

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O PELREC, no Quitexe, 1974. Foi e regressou sem baixas. Felizmente!

A 2 de Agosto de 1975, hoje se passam 38 anos, véspera do nosso adeus definitivo a Carmona, cirandei pela cidade, com o Neto e outros, no tempo que sobrou das nossas obrigações militares. A guarnição, principalmente concentrada no BC12, estava tranquila, serena, ansiosa. 
Fiz a minha revisão dos 14 meses que, até aí, me tinham transportado ao chão uíjano, por terras de Quitexe e Carmona, com saltos a outras localidades - aonde nos mandou a jornada angolana. Senti uma enorme tranquilidade, uma imensa paz - emoções que foram partilhadas com os companheiros mais próximos, os furriéis milicianos e os bravos e sempre solidários companheiros do PELREC (foto).
Ao outro dia, 3 de Agosto de 1975, vamos para uma Luanda onde, nessa mesma tarde (soube-se depois), tinham sido feitos disparos contra os emissores da Base Aérea nº. 9. Descolaram dois helicópteros, para o que desse e viesse, mas não chegaram a actuar. 
A comissão coordenadora do MFA esteve reunida todo o dia. Carlos Fabião e Otelo Saraiva de Carvalho estavam na capital angolana desde finais de Julho e lá chegou o brigadeiro Sacramento Marques, com mandato do Conselho da Revolução. E falava-se na saída do alto-comissário, o general Silva Cardoso.
A 5ª. Divisão, em Lisboa, dá conta, na véspera (dia 1 de Agosto), que «as acções de fogo parece não terem atingido as proporções dos dois últimos dias», com Luanda e Caxito sem «modificações visíveis». Mas assinala «acções de fogo na Quibala e Gabela, onde a situação se agravou esta manhã». Na Gabela, estavam os meus familiares Cecília e Mário (irmãos) e os conterrâneos Clemente e Anacleto, com as respectivas famílias.
Malanje continua a ser palco de acções de fogo, «embora sem o volume dos últimos dias», mas «a situação da cidade é muito crítica, face à falta de água e as riscos de epidemia», devido à existência de muitos cadáveres não sepultados. Também há notícias de cadáveres abandonados nas ruas de Luanda.
Carlos Fabião, na capital, a 31 de Agosto, diz que «não seria permitida à FNLA a ocupação de Luanda», o que, em Carmona, irrita os dirigentes deste movimento, que despejam ódios sobre as NT. O estranho da consulta agora feita às notícias então publicadas pelo Diário de Lisboa (de que nos socorremos) é que raríssimamente há referências a Carmona - confirmando o que então se pensava e o comandante Almeida e Brito nos confirmou anos depois, em Coimbra: o BCAV. 8423 estava esquecido no norte de Angola. Esquecido pela RMA, pelo COPLAD, por todos, e «perigosamente alvo das queixas e ataques da FNLA, nomeadamente reivindicando os desequilíbrios de outros locais».
- RMA. Região Militar de Angola.
- COPLAD. Comando Operacional de Luanda.
- NT. Nossas Tropas.
VerTEXTO sobre 2 de Agostode 1975


1 751 - A chegada ao Grafanil, 3 de Agosto de 1975...

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Monumento ao Soldado Português, no Grafanil (em cima) e entrada do Campo Militar


Agosto de 1975, dia 3. Um domingo! Duas levas de um DC6 e dois Nordatlas, transportaram a CCS e a 1ª. CCAV. 8423, de Carmona para Luanda, de aeroporto para aeroporto. Depois, em berliets, para o Campo Militar do Grafanil, onde ocupam o Batalhão de Intendência. Abandonado e sujo! Sem comida para os (mais ou menos) 300 homens que chegam. É a primeira etapa da saída definitiva das NT de Carmona e do Uíge.
Manda a tropa desenrascar e cada qual desenrascou-se como pôde. Parte dos furriéis foi parar à messe de sargentos de Luanda, na avenida dos Combatentes -onde fomos recebidos como extra-terrestres, entre exclamações e perguntas: «São vocês o batalhão de Carmona?». O do «cavaleiro branco», assim era conhecido o comandante Almeida e Brito. Éramos já o último batalhão, em Angola, com formação militar pré-25 de Abril. Disciplinado, sem baldas!!! Não entendíamos a forma como se «vestiam» os militares que achámos por Luanda, mal uniformizados, desabotoados, misturando roupa civil, de chinelos, mal aparentados!
O comunicado da 5ª. Divisão  do Estado Maior General das Forças Armadas, em Lisboa, dava conta que «a situação em Luanda está absolutamente estacionária».Mas falava do conflito estendido a Benguela e Lobito, onde«é a primeira vez que alastra àquela zona». Do BCAV. 8423, nem uma linha. E estava em plena operação de retirada de Carmona.
Fala, isso sim, do «estado psicológico das populações branca e negra», nomeadamente em Luanda, que considera «francamente mau», e regista que «neste momento é tremendamente difícil, senão impossível, conseguir que as pessoas tenham estabilidade para se manterem em Angola».
A onda de violência que se espalhava por Angola, levou a 5ª. Divisão a, no seu comunicado de 3 de Agosto de 1975, falar em«saques, roubo, violações, toda uma onda de violência que temos tentado controlar o mais possível, tendo-o efectivamente conseguido em determinados locais, nomeadamente em Luanda».  Mas, acrescenta o comunicado das 19 horas de 3 de Agosto, «há outros locais onde a nossa tropa já não está e,  portanto, quando lá chega, já essas acções de verificaram, condicionando, assim, uma instablidade muito grande».
«As populações estão tremendamente traumatizadas, pelo que se afigura extremamente difícil que continuem aqui», frisava a 5ª. Divisão, admitindo que «neste momento, poderemos encarar a hipótese de haver pelos menos 250 000 pessoas que regressam a Portugal» - através de uma ponte aérea.
A noite de Luanda, soubemos depois, foi tempo para«intenso tiroteio, em pleno centro, pouco depois das 22 horas» - uma situação imediatamente controlada pela Polícia e Exército portugueses. Foi neste quadro e neste dia que, há precisamente 38 anos, chegámos a Luanda.

1 752 - Adeus a Carmona, manifestações e tiros em Luanda

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Fila para comprar bilhetes na TAP em Luanda (Foto 
de  «A Vertigem da Descolonização», do general Gonçalves Ribeiro

A 4 de Agosto, pelas duas horas da madrugada, toda a máquina do BCAV. 8423 se pôs em movimento, para o arranque, às cinco da manhã - de Carmona para Luanda. Mas «a incomprensão dos civis gerou o primeiro problema com a FNLA», que não os quis deixar sair da cidade, bloqueando-os na saída para o Negage. 
Foi o primeiro dos muitos problemas que a coluna militar dos Cavaleiros do Norte viria a ter, até às 12,45 horas de 6 de Agosto, quando chegou ao Grafanil - felizmente sem baixas. Já por aqui, em postagens destas datas de anos anteriores, reportámos essa epopeia. 
A CCS e a 1ª. CCAV., no Grafanil, faziam a limpeza dos espaço reservado ao BCAV. 8423 - o do Batalhão de Intendência. Passando na cidade, eram notóriaS as bichas, de centenas de metros e à porta das agências de viagem, à procura de bilhetes para Lisboa. 
«Milhares de colonos portugueses manifestaram-se hoje na capital angolana, pedindo o aceleramento da ponte aérea, que deve a evacuar para Lisboa até 300 000 brancos, antes da independência», noticiava o Diário de Lisboa de 5 de Agosto, reportando-se à véspera. 
Nesta, ainda segundo o DL,«3000 a 4000 colonos concentraram-se num bairro residencial, empunhando cartazes em que se lia «povo americano, povo inglês, queremos ir embora». Depois, acrescenta o jornal, «a maior parte deles desfilou até ao consulado dos Estados Unidos, onde uma delegação solicitou auxílio para o seu repatriamento»
A France Press, por seu lado, dá conta (no mesmo dia) que«segundo números oficiais, será preciso evacuar mais de 500 000 pessoas» e assinala contactos dos populares também com os consulados de França, Itália, Bélgica e Brasil.
O recolher obrigatório mantinha-se na cidade, a partir das 21 horas e, segundo a Comissão Coordenadora do MFA, em Luanda, as patrulhas portuguesas dispararam sobre viaturas que não pararam nas barreiras de controle. Uma patrulha portuguesa foi alvejada.
Silva Cardoso, chamado Lisboa, afirmou que «já não acredito nos homens, principalmente nos políticos».
"Estou cansado da mentira, das falsas promessas, das atitudes de fachada. Venho cansado da miséria, de ver a miséria, de ver o ódio. Cansado de ver o desespero. Venho cansado do egoísmo, da crueldade e da ambição desmedida», disse o alto-comissário.
Otelo Saraiva de Carvalho, também de regresso a Lisboa, apontava o capitalismo como o grande inimigo de Angola e da revolução portuguesa. «Portugal ainda pode vir a sofrer o ataque cerrado à revolução e ao MFA, que o capitalismo internacional está a desencadear em Angola, que está já a sofrer e a sofrer com amargura», disse Otelo Saraiva de Carvalho, há precisamente 38 anos. Ele, a a falar em Lisboa e os Cavaleiros do Norte na epopeica marcha para Luanda.
Ver AQUI e postagens seguintes

1 753 - A 5ª. Divisão fala dos Cavaleiros do Norte

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Militares portugueses com civis, na coluna de Carmona para Luanda: NN, 
1º. cabo Mendes, NN, soldado Santos e furriel Guedes, todos da 2ª. CCAV. 8423


A 5 de Agosto de 1975, a coluna militar saída de Carmona,«agora com  cerca de 700 viaturas», dirigiu-se de Samba Caju (onde pernoitou e de onde saiu às 6,30 horas) para Vila Flor, onde chegou por volta das 11 e onde se juntaram mais viaturas de civis. Estava-se a entrar em «terra de ninguém» - passagem da zona de influência da FNLA (as províncias do Uíge, de onde vinham os Cavaleiros do Norte, e do Zaire) para a do MPLA.
Em Luanda, a 5ª. Divisão do Estado Maior General das Forças Armadas, em comunicado das 19 horas, dá conta que na capital e na zona do Caxito «a situação não se alterou». E finalmente fala do BCAV. 8423, referindo que«em cumprimento do plano de retracção do dispositivo das Forças Armadas Portuguesas, foram retiradas as nossas tropas» de Carmona e do Negage.
O comunicado frisa que«como é habitual, grande parte da população civil acompanha a tropa portuguesa».
«A coluna, constituída por centenas de viaturas e que se estende por vários quilómetros, saiu ontem de Carmona e do Negage. Aguarda-se a sua chegada amanhã, a Luanda. Serão fornecidos, oportunamente, os elementos concretos sobre esta coluna», referia o comunicado.
Um despacho da Reuter dá conta de combates em Cabinda, entre o MPLA e a FNLA, com morteiros e armas automáticas.

1 754 - A chegada dos Cavaleiros do Norte ao Grafanil

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Militares do BCAV. 8423 na coluna de Carmona para Luanda

Os Cavaleiros do Norte chegaram ao Grafanil pelas 12 horas de 6 de Agosto de 1975, após 570 quilómetros de problemas e 58,45 horas depois da saída de Carmona, «trazendo entre 700 e 800 viaturas», que demoraram 45 minutos a escoar. A coluna fora sobrevoada por dois aviões FIAT e um heli (com uma reportagem da BBC), antes de passar em Catete - a poucos quilómetros do Grafanil.
«Terminou, assim, a odisseia de milhares de civis que, à chegada a Luanda, choraram por se sentirem salvos», relata o Livro da Unidade.
O Diário Lisboa, na edição de 7 de Agosto e referindo-se à véspera, noticia, em despacho de Luanda e citando a 5ª. Divisão do EMGFA, que «chegou a esta cidade a coluna vinda de Carmona e Negage (...), constituída por 650 viaturas civis, que transportavam cerca de 3000 pessoas». Viaturas militares eram150, refere a nota, que«transportavam a escolta ida de Luanda, para proteger a coluna no regresso a esta cidade, e também as as forças do batalhão que não tinham sido evacuadas por via aérea».
Luanda, a 6 de Agosto de 1975, acordou com «alguns rebentamentos esporádicos na zona da Petrangol»
A FNLA, no mesmo dia e em Benguela, acordou em retirar da cidade - após o cessar-fogo com o MPLA. Já tinham sido acordados dois, ambos quebrados. O mesmo (cessar-fogo) acontecera  em Malanje e Lobito, na véspera. Menos pacíficas estavam as coisas no Caxito, a apenas 60 quilómetros de Luanda, onde se registaram recontros entre os dois movimentos - que «utilizaram blindados e morteiros, numa guerra tradicional de posição».

1 755 - A horta biológica dos Cavaleiros do Norte

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Emblema do Batalhão de Intendência, no Grafanil (em cima), e monumento ao Soldado Português, no mesmo campo militar dos arredores de Luanda (em baixo). Fotos de Jorge Oliveira



Luanda, 7 de Agosto de 1975. É uma 5ª.-feira e, chegados na véspera, os Cavaleiros do Norte tinham já dormido sobre o cansaço e «assentado» no Batalhão de Intendência que, como melhor se pôde, foi higienizado por quem lá chegou a 3, domingo anterior.
«O sítio onde era o refeitório, com restos da última refeição de quem de lá tinha partido. Cozinharam, comeram e depois f..., nós vamos para o puto, quem vier que lave a loiça. Tinha de ser limpo e foi o que fizemos, pois iria continuar a ser o refeitório», relata o Rodrigues, lembrando a nossa chegada ao Grafanil - no dia 3 de Agosto. Para dar ideia de como estavam as instalações, limpas entre os dias 4 e 5.
«Atrelados de unimogs foram carregados à pá, com o lixo todo que lá ficou, até cogumelos já tinham nascido nos restos da comida», evoca o Rodrigues, considerando que tal«hoje, seria considerada uma horta biológica», mas que «limpar aquilo tudo, lavar tachos e panelas, pratos e companhia limitada, foi trabalho que não podíamos deixar de fazer»
Os Cavaleiros do Norte da coluna de Carmona chegaram a 6 de Agosto e«aquilo já estava em condições de o pessoal comer, embora a comida fosse pouca, limitada ao que tínhamos», como lembra o Rodrigues e eu confirmo. 
Ninguém comeu ração de combate - a pior coisa que lhes poderia acontecer, depois dos quase três dias de coluna. «Penso que, mesmo no centro de Luanda, a comida era restrita», relata o Rodrigues. Era mesmo.


1 756 - Os dias de Agosto dos Cavaleiros do Norte...

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Luanda à noite, em foto de Jorge Oliveira (1974). Notícia do Diário de Lisboa, sobre a Luanda de 8 de Agosto de 1975



A 7 de Agosto de 1975, forças do MPLA expulsaram 300 militantes da FNLA de Luanda. «Foram neutralizados e evacuados», noticiava a Reuter, citando Iko Carreira, membro da Junta Política do movimento liderado por Agostinho Neto.
Os «fnla´s», segundo Iko Careira, que falava em Brazaville, «tinham sido introduzidos na capital angolana com o objectivo de ocuparem o poder, pela força, iniciando essa operação com o domínio de pontos estratégicos». Mas, sublinhava o dirigente do MPLA,«a tomada eventual da capital, por soldados da FNLA, como anuncia determinada imprensa, não se registará, porque nós vamos opor ao invasor a resistência popular generalizada».
Era nesta Luanda que os Cavaleiros do Norte faziam o seu dia-a-dia, restringidos ao espaço que fora do Batalhão de Intendência, no Grafanil, vindos do ferro e fogo de Carmona e do Uíge. Uíge e Zaire, províncias do norte de Angola, que, disse Iko Carreira na mesma conferência de imprensa em Brazaville, «foram invadidas por forças da FNLA».  
Por mim, nos tempos livres das obrigações militares, folgava e procurava familiares e amigos na imensa capital angolana. Ora nas suas residências, ora no aeroporto - quando nelas não os encontrava. Desses (não) achamentos ia dando conta, por aerograma, a minha mãe - que fazia de intermediária dos familiares que, em Portugal, deles queriam notícias. Não eram fáceis as comunicações daquele tempo. Nada que tenha a ver com o que hoje é instantâneo, desde que tenhamos um telemóvel na mão.

1 757 - UNITA e FNLA para fora de Luanda

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Capa do Diário de Lisboa de 9 de Agosto de 1975

Luanda, a 9 de Agosto de 1975, acordou com «violento tiroteio de armas ligeiras e pesadas, à medida que se generalizava uma ofensiva desencadeada pelo MPLA, com intenção de desalojar os últimos militares e políticos da FNLA, que se encontravam instalados no luxuoso Bairro do Saneamento, por detrás do Palácio do Governo».
O bairro era, recordo da leitura do Diário de Lisboa desse dia, que cito, «o último reduto da FNLA na cidade», com o Forte de S. Pedro da Barra. Na véspera, para Lisboa, partira Paulo Jorge, do MPLA, para «manifestar desagrado pela presença da FNLA no Governo de Transição» - aliás, «um Governo inoperante», como era reconhecido pelo Alto-Comissário Interino, general Ferreira de Macedo - a substituir Silva Cardoso, chamado a Lisboa.
O mesmo dia 9 de Agosto, há precisamente 38 anos, era tempo para «a retirada total das forças da UNITA, que se dirigiram para o Lobito e Nova Lisboa». Em Luanda, ficaram apenas os seus dirigentes políticos. 
Ao tempo, e leio agora no Livro da Unidade, os Cavaleiros do Norte, estacionados no Grafanil, estavam como «unidade de reserva da RMA», depois de «um curto período de repouso, o arranjo de viaturas e ocupar de novas instalações».
Um das suas raras intervenções terá sido no Bairro do Saneamento, onde «acudiu» a uma companhia portuguesa, recém-chegada de Lisboa e entalada entre fogos do MPLA e da FNLA. Uma estreia marcante para estes homens. De tal forma, que completo o batalhão, quiseram de imediato regressar a Portugal. Mas por lá ficaram, julgo que até à independência.

1 758 - O comando da coluna de Carmona para Luanda

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Almeida e Brito, segundo a contar da esquerda, com 
o furriel Reino, o soldado clarim Mendes e o capitão Falcão 

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ANTÓNIO A. GUEDES
Texto

A companhia de paraquedistas  fechava a coluna que, de Carmona, a capital do Uíge, arrancou para Luanda a 4 de Agosto de 1975. Logo, não poderia deixar ninguém para trás. Era essa a sua missão.
A missão dos grupos militares, aliás, estava perfeitamente definida: Companhia de Comandos a abrir e Companhia de Paraquedistas a fechar. A 2ª. e a 3ª. Companhias do BCAV. 8423 foram estrategicamente distribuídas pela coluna. 
O comando pertencia ao comandante do BCAV. 8423, tenente coronel Almeida e Brito, e, certamente, dada a envergadura e sensibilidade da operação em curso, a coordenação foi eficaz, pois chegámos todos a bom porto. 
Julgo que não devemos misturar o que se passou na cidade, em Carmona - eu também retenho algumas imagens menos próprias... -, com o decurso da operação Carmona/Luanda.
Operação cheia de riscos, muitas contrariedades, mas resolvida com êxito. 
E quero aqui frisar que qualquer negociação, se é que assim podemos designar os diálogos que aconteceram ao longo do percurso e com as várias forças dos movimentos, tiveram sempre a intervenção do Comandante do BCAV. 8423, comandante e responsável pela coluna. A última decisão seria sempre sua.
Todos sabemos em que mares navegavam as forças militares, na altura. Mas este Batalhão de Cavalaria - o 8423, os Cavaleiros do Norte! - graças a um brilhante exercício de Comando, manteve-se sempre coeso e disciplinado e, consequentemente, firme e hirto. 
Deu provas disso no terreno. 
Mesmo nos momentos em que se esqueceram que aquela força militar se encontrava no norte de Angola.
ANTÓNIO A. GUEDES
Furriel miliciano da 2ª. CCAV. 8423

1 759 - O Governo de Angola não funcionava...

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Presidentes Holden Roberto (FNLA), Agostinho Neto (MPLA) e Jonas 
Savimbi (UNITA). Vasco Vieira de Almeida, ministro do Governo de Transição (em baixo)


O Governo de Transição de Angola não funcionava e era Vasco Vieira de Almeida (ao lado, no DL), ministro da Economia indicado pelo Governo de Portugal, quem isso reconhecia a 11 de Agosto de 1975, ao declarar «não saber» se a acção envolvendo os ministros da FNLA evacuados de Luanda, por tropas portuguesas, significaria  a sua queda.
As violentas confrontações de sábado anterior (dia 9), por detrás do Palácio do Governo - perto do seu gabinete, mas sem o atingir -, levaram à evacuação dos soldados da FNLA e especulava-se, ao tempo, sobre a possibilidade de as autoridades portuguesas tentarem retirar da capital as tropas dos três movimentos e declararem Luanda como zona desmilitarizada - numa altura em que o MPLA quase por completo dominava a cidade e, citando a France Press, o presidente Agostinho Neto, admitia a declaração unilateral da independência antes de 11 de Novembro - a data prevista pelo acordo do Alvor.
«Nunca se sabe, é uma hipótese. Tudo depende do comportamento das forças em presença», disse Agostinho Neto. Isto, enquanto o presidente Holden Roberto (FNLA) procura encontrar-se com Valery Giscard D´Estaing (presidente francês, no Zaire mas sem tal conseguir) e Jonas Savimbi viajava para a Tanzânia, para conversações com o presidente Julius Nyeirere.
Os Cavaleiros do Norte, no CampoMiliatr do Grafanil, faziam serviços de rotina e, cada qual como podia, «espraiava-se» por Luanda, buscando os prazeres da idade pela baixa, pelos restaurantes e bares e casas de diversão, praia e outros lugares de prazer da capital. 
Luanda, aonde chegavam milhares e milhares de pessoas em trânsito para Lisboa, na célebre ponte aérea, estava, entretanto ameaçada por outra guerra: a da fome.«Paira sobre Luanda o espectro da fome. Começam a rarear os combustíveis e a comida e não tem chegado reabastecimentos», noticiava o Diário de Lisboa, em despacho da capital de Angola.

1 760 - Dias de Luanda em Agosto de 1975...

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Carlos Sucena e Gilberto Marques (dois amigos 
e Águeda), Viegas e Neto na casa da Viana, em Agosto de 1975

Os Cavaleiros do Norte chegaram a Luanda e mandou a regra que cada quadro se desenrascasse. Falamos das classes de sargentos e oficiais, sem sítio, no Batalhão de Intendência, onde pudéssemos acomodar os ossos. Cada qual teve de se desenrascar. 
Eu, o Neto e o Monteiro fomos «parar» a casa de Manuel Cruz, um empresário aguedense (amigo do Neto e que tinha deixado chave a Gilberto Marques), em Viana. Por lá ficámos até 7 de Setembro.
Os praças (soldados e cabos) arrancharam no Grafanil e cada qual, como podia, tinha as suas retiradas estratégicas para a Luanda - para a noite e a folia.
Os três movimentos de libertação - MPLA, FNLA e UNITA - continuavam a travar combates, um pouco por toda a Angola, procurando, cada qual, estabelecer controlos territoriais. 
O Diário de Lisboa de 12 de Agosto de 1975 dá conta que«mantêm-se, entretanto, as posições dos três exércitos: a FNLA, assistida pelo Zaire, está bem instalada no norte; o MPLA maioritário no centro e na costa ocidental; a UNITA, que parece aliar-se cada vez mais à FNLA, predomina no sul».
Luanda por este dia, era terra de calma. Os últimos efectivos da FNLA tinham sido retirados e o MPLA, citamos o DL, «mantém firmemente as suas posições na capita angolana». A UNITA já retirara da cidade e a 11 de Agosto,«apenas um funcionário se mantinha», mas «prestes a retirar para Nova Lisboa».
A FNLA pediu apoio das Forças Armadas Portuguesas para concluir a retirada de Luanda - o que foi  feito por via marítima. 
A notícia do DL dá conta que «começa a faltar o café, a gasolina e o tabaco, mas a vida continua a decorrer normalmente, ao passo que, no sul, a água se torna rara, a carne é difícil de encontrar e o pão inexistente».
«Ainda não se atingiu, em Luanda, o nível de alarme no capítulo do abastecimento alimentar, ao contrário do que se verifica nalgumas localidades do interior», escrevia o DL. Nós testemunhamos coisa contrária: havia falta de alimentação na cidade. Corríamos restaurantes para comer e nem sempre conseguíamos.
Estávamos por nossa conta. Deixámos de ter direito a elementar comida diária, no quartel.
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